Por Luciano Campos Tardock
No texto anterior falamos um pouco sobre a história de José Alves de Azevedo, o famoso Zé Garoto. Como pudemos perceber dentro dos documentos encontrados assim como do resgate das memórias familiares, Zé teve a sorte de conviver com uma das famílias mais importantes de São Gonçalo na segunda metade do século dezenove, a família de Maria Gabriela Margarida Bazin Desmarest, a famosa Madama, dona do Novo Porto, influente porto de São Gonçalo.
Até o momento, pouco se sabe sobre as origens da Madama, ou mesmo quando chegou pela região. O que se sabe sobre a francesa é que em meados do século dezenove ela já vivia em São Gonçalo. Foram mais de 40 anos morando na região, de frente pro mar, atuando no crescimento econômico da região. Mas por que Madama? Madama é uma corruptela, ou seja, é a deformação de palavras originadas pela má compreensão ou rápida visualização e posterior reprodução. Assim como o vossa mercê foi sendo alterado a chegar em você, o mesmo aconteceu com “madame”, como gostava de ser chamada. Se a escrita de Madame em francês é a mesma que em português, a pronúncia é distinta e Madame virou Madama e o Novo Porto se tornou só dela.
A segunda metade do século dezenove apresentava uma São Gonçalo ainda em construção. Muitos dos bairros ainda não existiam e o nome de diversas localidades atuais surgiram com base nessas grandes propriedades, como fazendas e portos. Existem diversos bairros em São Gonçalo com base nessas identificações, e a região onde a Madama viveu não foi exceção à regra. O porto era bastante próspero. Lá existiam casas de vivenda, plantações diferenciadas, arvoredos e tantas outras benfeitorias. A produção de 72 lavradores da terra era transportada em 6 faluas para serem vendidas na Praça das Marinhas, na Corte do Rio de Janeiro. É válido destacar que o porto da Madama atendia a mais de 40% de todos os lavradores de São Gonçalo, fazendo com que a região do porto se tornasse bastante movimentada no comércio e no escoamento desses produtos para outras regiões.
Mas é preciso se pensar sobre o processo de construção de um porto. O que fica claro de imediato era que, a construção de um porto não era algo simples, muito menos barato. Existiam custos com todo o madeiramento há ser instalado, uma estrutura adequada para o armazenamento, tanto para a produção local como também para a de outros fazendeiros e roceiros que buscassem seus serviços e o custo com as embarcações, as faluas.
É possível encontrar registros da Madama atuando a frente de seu Porto até 1880. A partir de 1883 o porto, agora oficialmente identificado como Porto da Madama, ainda aparece, mas o nome de D. Maria Gabriela Desmarest não aparece como a administradora do empreendimento, talvez por questões de idade. Maria Gabriela Margarida Bazin Desmarest faleceu em 19 de dezembro de 1887, mas, apenas uma pequena nota nos periódicos da época deram destaque a francesa que se radicou em São Gonçalo. Em sua missa de sétimo dia apareceu o nome de alguns amigos e familiares, mas nada de muito impressionante para a grandiosidade daquela que foi a única mulher administradora do maior porto gonçalense no século dezenove.
Informação do Almanak Laemmert de 1850, primeira referência de D. Maria Gabriella Margarida B. Desmarest como proprietária de um porto na região de São Gonçalo.
Hoje em dia, quem passa pelo bairro do Porto da Madama talvez não se dê conta da grandiosidade da história do local. A corruptela, Madama, talvez tenha corrompido até mesmo a história, e ajudado a levar Dona Maria Desmarest ao esquecimento da história da cidade. Esse esquecimento talvez tenha sido agravado alguns anos depois, quando seu neto, Paulo Leroux, leva o Porto da Madama a falência depois de investimentos errados na região onde, décadas antes, havia dado fama e riqueza a sua avó. Mas Paulo Leroux é uma outra história, papo para um outro dia.
Uma falua é uma embarcação da família das fragatas. Possuem um ou dois mastros, contando com 14 ou 15 metros de comprimento, sendo tripulada por 2 ou 3 membros. São consideradas embarcações bastante rápidas. Falua; gravura de João Pedroso, 1860 (Hemeroteca Digital, Almada Virtual Museum, Lisboa).
Referências:
Anais da Biblioteca Nacional, volume 127 de 2007.
Gazeta de Notícias, 19 de dezembro de 1887.
Novidades, 19 de dezembro de 1887.
Revista da Semana, 1940.
Luciano Campos Tardock é formado em história pela Universidade Salgado de Oliveira. É professor e publica na página do Memória de São Gonçalo, onde busca resgatar um pouco da memória da cidade.
O Centro Cultural George Savalla Gomes – Palhaço Carequinha funciona de segunda a sexta-feira, das 9 as 18h, no primeiro andar da Câmara Municipal de São Gonçalo.
Parabéns. Já conhecia um pouco da história de São Gonçalo,.mas a profundidade de suas pesquisas é postagens, em sua imensa maioria, não fazia a menor ideia.