Por Luciano Tardock
Maria Paula Azeredo Coutinho Duque Estrada da Mota, nome imponente de uma personagem quase esquecida na história de São Gonçalo e também de Niterói. A única marca que ainda persiste é o nome do bairro dividido entre as duas cidades. Contar a história de Maria Paula é olhar um pouco para a importância das pesquisas sobre o papel da mulher no Brasil e como elas, muitas das vezes, foram tratadas de maneira machista.
Assim que as primeiras buscas são feitas sobre Maria Paula, o que podemos ver é um banho de colocações que mantém as lendas e boatos sobre a mesma, nunca a verdade. De maneira geral, todos os autores colocam as mesmas informações sobre ela. Ama-de-leite de Dom Pedro II, que de tão grato, havia lhe garantido terras no local. Outro boato, ainda pior, a colocava como prostituta. Todos esses passam longe da verdade.
Antes de qualquer coisa é preciso destacar alguns pontos. Maria Paula trazia na assinatura o peso de duas famílias poderosas da região. Os Azeredo Coutinho eram donos de terras influentes em diversas partes do Rio de Janeiro desde o período colonial. No século 18 foram perseguidos pela Inquisição que passava por São Gonçalo, acusados de Judaísmo. Já os Duque Estrada também eram membros da elite local e muitos foram donos de terras em São Gonçalo, como é o caso das fazendas Boa Vista e Cabuçu.
As duas famílias eram respeitadas e além do poder sobre a terra, também fizeram carreira na política, na guarda nacional e no exército. Colocar Maria Paula como uma ex-escrava, ou ama-de-leite ou uma prostituta sempre foi uma forma de menosprezar o papel da mulher no século 19, como foi o caso aqui.
Não existem muitos registros de Maria Paula. Não sabemos exatamente quando nasceu ou quando faleceu. Sabemos que foi casada com Francisco Cândido Dias da Mota, falecido em outubro de 1859. Ele era dono da Fazenda do Barreto,e havia mudado de endereço, saindo de uma região de divisa entre São Gonçalo e Niterói, para outra. Após o falecimento de seu marido, a administração da fazenda recaí sobre os ombros de Maria Paula.
A fazenda possuía boa estrutura. Uma bela casa de vivenda com um pomar plantado na frente. Ainda existiam, pés de cafés, novos e velhos, mandioca, cana, laranjas e plantações miúdas, um bom pasto, uma lagoa, carros de boi, engenho de farinha, animais de tração e alguns escravos que cuidavam do espaço.
Alguns anos depois do falecimento do seu marido, Maria Paula vendeu parte das terras que pertenciam a fazenda do Barreto, justamente quando o café começava a entrar em declínio na região de São Gonçalo. Além do cultivo de café, que era o foco da produção local, Maria Paula também tentou investir em outras áreas. Buscou autorização do Ministério de Obras para a exploração de uma lavra de ouro e outros metais na região, com grande chance de ser o local onde hoje existe o bairro do Rio do Ouro, mas, o investimento foi falho e nada foi encontrado no local.
Maria Paula ainda foi benemérita de algumas instituições pela região, incluindo o Asilo Santa Leopoldina, localizado em Niterói e que foi administrado pelo Barão de São Gonçalo. Maria Paula foi desaparecendo da história da região gradativamente. No final dos anos 80 do século 19, apenas alguns registros de libertação de escravos sexagenários surgem como pistas da antiga glória da proprietária da Fazenda do Barreto. Alguns anos depois, nem isso.
Com a abolição da escravatura, Maria Paula já com idade mais avançada, vivia dos bens que juntou durante a vida. Depois disso, nenhuma notícia sobre d. Maria Paula. A história não lhe foi justa. O modelo de pensamento que praticamente a segregou da história no século XIX também encontrou veio farto no século XX, e a administradora da fazenda foi relegada a um conjunto de lendas e mitos que a depreciavam. Maria Paula de Azeredo Coutinho foi membro da elite local e, assim como a Madama, sua contemporânea, também foi mulher a frente de seu tempo.
Mas o tempo, foi injusta com a mesma. Simone de Beauvoir diz, em uma de suas frases mais famosas que: Não se nasce mulher, torna-se mulher. No Brasil do século XIX não bastava nascer ou se tornar. Num Brasil ainda tão machista, é necessário se esperar décadas ou mesmo séculos para ser resgatada e ter um pouco de sua história contada, para assim, não ser mais esquecida
Referências:
Almanak Administrativo, 1844-85.
Correio Mercantil, 1848-68.
Diário do Rio de Janeiro, 1860-78.
Jornal do Commércio, 1880-89.
O Fluminense, 1880-89
Elites locais e urbanização em Niterói, Maristela Chicharo, 2004.
Luciano Campos Tardock é formado em história pela Universidade Salgado de Oliveira. É professor e publica na página do Memória de São Gonçalo, onde busca resgatar um pouco da memória da cidade.
O Centro Cultural George Savalla Gomes – Palhaço Carequinha funciona de segunda a sexta-feira, das 9 as 18h, no primeiro andar da Câmara Municipal de São Gonçalo.