Gosto da casualidade. De como as coisas as vezes acontecem quase que por acidente. Em algumas ocasiões os acidentes podem ser bastante positivos. Há algumas semanas, escrevi um texto sobre Zélio Fernandino de Moraes, de como o anunciador, fundador da Umbanda, religião totalmente brasileira e surgida em São Gonçalo (se você não leu, clique aqui), também foi político na cidade. Por conta desse texto fui convidado para participar de um evento na Praça de Neves no dia 15 de novembro, dia nacional da Umbanda. Esse evento seria especial. A praça teria seu nome alterado, ganhando o nome de Zélio de Moraes, uma bela homenagem ao espaço, uma vez que tanto Zélio quanto a Umbanda nasceram ali pertinho da praça. A ideia era falar do seu fundador como político, algo que muitos desconheciam.
Na ocasião do evento tive a oportunidade de conhecer o professor e arquiteto Leonardo dos Santos, bisneto de Zélio, que também veio falar um pouco sobre a importância da religião, sua importância para o Brasil e um pouco da figura do Zélio. Era bastante claro que não perderia a chance de conversar com um parente do homenageado e num momento oportuno, me apresentei. A conversa foi muito bacana e ele comentou em certo momento: “O avô do Zélio também foi político em São Gonçalo. Foi militar também. Seu nome era José Moraes e Silva”. Ok, foi o suficiente, eu precisava dar uma olhada nisso.
E foi mesmo. José de Moraes e Silva não foi apenas político. Fez diferentes ofícios na região de São Gonçalo. Mas, vamos aos fatos. José nasceu em 1832 e, segundo alguns contemporâneos, também na região. Foi casado com Anna de Moraes e Silva, que eram pais de dona Leonor de Moraes, mãe de Zélio e do Dr. Ephaminondas de Moraes, que entre outros ofícios, foi diretor do hospício da Vargem, hoje em ruínas. J. Moraes e Silva, como era conhecido atuou no ordenamento da cidade. Atuou como Delegado de Instrução, também foi indicado a Guarda Nacional, onde atuou no 17º Batalhão de Infantaria da Câmara de São Gonçalo como Estado-Maior Major-Fiscal. Também foi vereador onde se mostrou alguém atento às causas dos mais pobres.
Esse compromisso com os mais pobres ficou claro em uma publicação do jornal o Fluminense de 1893, quando os vereadores locais aceitaram a proposta de José de Moraes, para que a prefeitura atende-se os pedidos de alimentos dos pobres, assim como a manutenção da ordem e do socorro de que necessitava o povo de São Gonçalo. Também podemos destacar que, se Zélio tinha compromisso especial com a educação de São Gonçalo, um pouco desse “espírito” deve ter herdado de seu avô. Como bom “cultor das letras”, José de Moraes alugou um prédio para a prefeitura onde foi estabelecida a Escola Masculina de Porto das Neves.
Mas é por falar nessa faceta de cultor das letras que talvez apareça a melhor faceta de José de Moraes que foi autor de livros e publicou diversas poesias nos jornais de época. De acordo com o levantamento feito, J. Moraes, como gostava de assinar, escreveu o romance “Dous Piratas” em 1865; Mariposas, em 1885, que contava com introdução de Alberto de Oliveira, farmacêutico, professor e poeta, nascido em Saquarema, fundador da cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras que homenageia Cláudio Manuel da Costa; Sanctuários, em 1889, que foi dedicado para sua esposa e Scintillas, em 1895.
Poesias foram publicadas diversas, o principal espaço era o Fluminense, periódico que circulava bastante na região e ainda continua bastante influente. Sobre seu último trabalho existe uma história curiosa. O trabalho se chamaria originalmente Scentelhas, de Centelha, mas, Pedro Gomes, também poeta que escrevia nos periódicos da região brincou com José Moraes sobre quais motivos ele necessitaria de CEM TELHAS. Piadinha infame à parte, o nome do livro foi alterado para Scintillas.
Esse livro foi o último trabalho de peso de José Moraes. Ele continuou escrevendo textos e poesias que foram publicadas nos jornais da época. A última publicada foi Rectificação, em julho de 1895. Em 27 de setembro de 1896 foi publicado que o Major José de Moraes e Silva, proprietário de terras em São Gonçalo e distincto cultor das letras, se encontrava gravemente enfermo. As saúde do poeta, que contava na ocasião com 64 anos, não se restabeleceu, vindo ele a falecer no dia 3 de outubro, menos de uma semana depois. O autor da nota do jornal destacava que o amigo tinha o dom da escrita, que era bom poeta e só lastimava não ter a mão a poesia “Borboletas”, para transcrevê-la no jornal para a ocasião. Em sua missa de sétimo dia, o poeta Alberto Silva fez uma justa homenagem:
Poeta! de tanta cousa altiva e bella
Que o teu craneo de lavas accendia,
Fica apenas na terra, erma e vasia,
Este fulgor de prantor que o constella.
O mar é o mesmo que se me acastella,
A mesma noite, a mesma penedia
Onde, como uma garça fugidia,
Eu vi sumir-se a tua branca vela.
Outras ainda virão de plaga em plaga,
De soluço em soluço, e grito em grito,
Como a vaga que nasce de outra vaga,
Como o verso do verso em que eu me dito,
Como a estrella da estrella que se apaga,
E a lagrima das lagrimas que fito.
Segue abaixo uma poesia de José Moraes, avô de Zélio de Moraes, encontrada no semanário “A Semana” de 25 de fevereiro de 1888.
ELLA E O CÉO
Arrua o vento, tropego assobia,
Em cyciones retorcem-se as rajadas;
O sol tranquillo vae e entre as lufadas
Não move-se á impulsão da ventania.
Como febril enfermo o ardente dia
Respira ancioso e turvo ás baforadas
Nevuentas franjas de ouro desgrenhadas
Serpeam pelo espaço á reveria.
Sorrindo a moça distrabida a um canto
Da janella, pensava no vindouro
De olhar erguido voluptuoso e santo.
Plumoso esvoaça o seu diadema louro:
Rebrilba o céo azul no olhar, emquanto
Copia o azul do céo as trancas do ouro.
J. MORAES SILVA
Luciano Campos Tardock é formado em história pela Universidade Salgado de Oliveira. É professor e publica na página do Memória de São Gonçalo, onde busca resgatar um pouco da memória da cidade.